quinta-feira, 19 de março de 2009

Uma História de Pescador



Eu queria falar da crise. Mas o post anterior me deixou meio que de coração mole e nessas circunstâncias, falar de apocalipse generalizado não é uma boa idéia. Então vou comer pelas beradas contando uma história triste. A história da falência da Islandia, aquela ilhota lá perto da Groelândia que já nos brindou com Björk e Sigur Ros. Trata-se de uma história épica, dramática, uma das mais incríveis dos nossos tempos, pois era considerada pelo, IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, o país mais desenvolvido do mundo. Era, fudeu, perdeu playboy, não é mais.

A Islândia praticamente não tem recursos naturais, como dá a entender seu nome, que quer dizer "terra de gelo". Sempre viveu de pesca. Por isso, culturalmente, sempre esteve imersa na cultura de pescadores. E o que seria essa cultura de pescadores? Homens ousados, apostadores, acostumados a enfrentar a morte. Mulheres pacientes, sempre esperando, sempre se preocupando.

Não que a Islândia seja um país machista, nada disso: como em outras terras nórdicas, as mulheres lá são independentes, tem direitos respeitados. Mas, por lá, homens e mulheres são bichos diferentes, quase rivais. Homens praticamente só andam com homens, e mulheres com mulheres. Tanto é assim que o Partido da Independência, que estava no poder quando a crise pegou, praticamente só tem homens. Já a oposição, o Movimento da Esquerda Verde, é quase que apenas de mulheres.

Por séculos e séculos o país foi um canto meio esquecido do mundo, pobre e com uma vida bem comunitária, onde todo mundo conhece todo mundo e o capitalismo não "pegava". Aí, nos anos 1970, os peixes começaram a rarear. Era o primeiro sinal de um desastre ecológico: com os peixes diminuindo, os pescadores iriam investir dinheiro para comprar redes maiores e barcos mais rápidos, as populações de peixe iriam cair mais ainda até que o país inteiro quebraria.

O governo então teve uma idéia que na época parecia brilhante: privatizar os peixes. É assim: se uma empresa pescava em média 2% dos peixes do país, ela receberia um papel dando a ela o direito a 2% dos peixes dali para a frente. Todo ano, o governo estabeleceria uma cota de peixes que poderiam ser pescados e cada empresa teria que se contentar com uma porcentagem fixa dessa cota. Assim se desestimularia a competição e os peixes não acabariam.

Os pescadores começaram então a comercializar esses papéis que davam direito aos peixes. Daí às empresas de pesca virarem bancos (que nada mais são do que empresas que vendem, compram e emprestam papéis) foi um pulo. Assim surgiram três grandes bancos islandeses. Aí, em 2003, o governo masculino do Partido da Independência começou uma reforma liberalizante para finalmente abrir o país à globalização. E os bancos, cujos donos eram pescadores, de repente viraram globais.

Viraram também os bancos globais mais agressivos do mundo: suas taxas de juro eram tão fantásticas que atraíram clientes de toda parte. Os bancos alemães puseram 21 bilhões de dólares em bancos islandeses, holandeses puseram 305 milhões lá, os suecos 400 milhões. Investidores britânicos enfiaram mais de 30 bilhões naquela máquina de fazer dinheiro. Os bancos islandeses, com tanta grana, cresceram pacas - a maior expansão do sistema bancário na história da humanidade. E contrataram um monte de gente para ser banqueiro de investimento.

Muitos desses novos banqueiros eram ex-pescadores, amantes de riscos, inimigos da prudência, que ficaram satisfeitíssimos em trocar tempestades, ondas gigantes e água gelada por ternos bem cortados, salários mastodônticos e ações que pareciam fadadas a subir para sempre.

Aí de repente o sistema quebrou, e a grana toda evaporou. De repente, cada um dos três grandes bancos tinha dívidas maiores do que o PIB do país inteiro. Hoje calcula-se que cada homem, mulher ou criança islandês deva, per capita, 330 000 dólares.E foi assim que a crise dos peixes dos anos 70 virou uma crise financeira em 2008.

Quando as pessoas dizem que a crise pela qual estamos passando, no fundo, é uma crise ambiental, não é só modo de falar.

Enquanto isso, ex-banqueiros islandeses pensam em arrumar emprego em barcos pesqueiros.

5 comentários:

  1. auauhauahuahau
    muito bom!
    té que ce ta num ritmo massa e numa proporção legal de n° de postagens/qualidade das postagens.
    parabéns veio!

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  2. Parabéns ARI,VC ACABOU DE ELOGIAR O MODELO DE SOCIAL-DEMOCRACIA-LIBERAL-PARLAMENTAR DO NORTE DA ''ZOROPA''Para um anarquista vc tá muito KEYNESIANO-REFORMISTA-DO CAPITALISMO,UI!GOZEI....
    HEITOR REIS DE OLIVEIRA
    SALVADOR,BA.

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  3. Bjorj é uma merda!
    E panelaço na Islândia é punk!
    Não sei se curti o novo espaço, mas a produção tá responsa.
    Abraço.

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  4. Heitor, está melhorando, você me criticando é muito mais interessante do que chorando pitangais quiméricos.

    E por favor, me mostre o trecho em que elogiei alguma coisa

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